Maurilio Lima Botelho *
“Quem não quer falar de capitalismo também deve silenciar sobre o fascismo”. Max Horkheimer.
1.
Há cerca de um século, o fascismo surgiu
como uma consequência da crise do liberalismo clássico. Muitos
argumentam que o avanço autoritário, em todo o mundo, é hoje uma
resposta à crise do neoliberalismo. Essa afirmação precisa ser
criticada, no sentido de trazer seu núcleo de exatidão à superfície.
Desde a catástrofe financeira de
2008, o neoliberalismo como opção política foi desmoralizado em todas as
frentes, embora os respectivos instrumentos econômicos sejam mantidos
por seus detratores. A imagem que o neoliberalismo fez de si mesmo como
restrição do aparato estatal não é real. Desde o início, despesas
financeiras estatais em ascensão e um aparato repressivo crescente foram
características da autointitulada ideologia do “Estado mínimo”. Assim, a
desqualificação ideológica do neoliberalismo não é incompatível com sua
continuidade prática, mas decorre de uma necessidade estrutural. Mais
do que uma variante do espectro político ou uma opção no cardápio das
teorias econômicas, o neoliberalismo é a forma política própria ao
Estado em corrosão pela crise. Isso lhe confere um caráter
suprapartidário — qualquer um, ao chegar ao poder, deve prestar
obediência.
A avaliação de uma mudança de perspectiva no panorama político global precisa dar conta dessa dimensão: o autoritarismo em ascensão é uma consequência política da crise estrutural do capitalismo,
que, depois de envolver a periferia mundial e os países do antigo bloco
socialista, há uma década atingiu o núcleo do capitalismo. O
neofascismo contemporâneo é uma brutal tentativa de dirigir a
decomposição social em curso, por isso precisa assumir um invólucro
neoliberal, ainda que isso implique em incongruências políticas.
2.
A ascensão do fascismo na Europa, a
partir da década de 1920, foi uma exigência do capitalismo em sua
maturidade histórica. O fascismo surgiu e se fortaleceu não apenas como
uma resposta à Primeira Guerra Mundial, mas também à crise de 1929 e ao
grau elevado de monopolização da produção. A direção e o controle
estatal dos rumos econômicos aparecia como uma necessidade de
sustentação da própria economia de mercado, que corria o risco de se
desfazer com o acúmulo de contradições, principalmente a gigantesca
superprodução alcançada pela produção em série. O modo de conter o
desmantelamento foi uma ampla direção estatal da economia, que passava a
“ser administrada pelo Estado para a iniciativa privada”[1].
Só o enquadramento das forças sociais numa “moldura totalitária”
poderia conter a implosão social decorrente da superacumulação alcançada
pelos principais setores econômicos, muitos deles cartelizados. A
barbárie do colapso foi evitada pela barbárie de uma economia de guerra
industrialmente administrada.
Na década de 1930, a incapacidade de
o capital reencontrar um novo equilíbrio por meio da limpeza de terreno
da própria crise tornou-se óbvia, por isso “o sistema capitalista foi
levantado da rocha da estagnação apenas por meio da corrida armamentista
forçada sobre as potências mundiais pela iniciativa, por parte do
fascismo alemão, de preparação para a guerra mundial”.[2]
O próprio ímpeto imperialista radicalizado do fascismo, exigindo uma
resposta das demais potências, obrigou o mundo a uma quase estatização
de setores inteiros da economia, criando o famoso complexo
industrial-militar que veio a se tornar uma característica permanente do
“mundo livre”, mesmo após a derrota do nazismo. De certo modo, o resto
do mundo foi eximido de uma regressão fascista porque a resposta dada a
este direcionou os recursos excedentes — a própria guerra permitiu a
destruição sistemática de capacidade produtiva, o que restaurou a
possibilidade de uma nova prosperidade. Assim, o perigo totalitário
subjacente à economia capitalista avançada também foi contido
democraticamente pela economia de guerra permanente. O Dr. Strangelove de Peter Sellers-Kubrick é a manifestação irônica dessa identidade de fundo entre a democracia ocidental e o fascismo.[3]
Os problemas do capitalismo
amadurecido se tornaram insolúveis, suas contradições não podiam ser
administradas, nem mesmo pela boa vontade do Estado — o New Deal, com
suas frentes públicas de trabalho, foi um fiasco até a explosão da
guerra. A única maneira de congelar historicamente essa formação social
foi desviar uma parcela de suas forças produtivas para a destruição ou
inutilização militar. Nas palavras precisas de Theodor Adorno, nos
regimes fascistas “se estabilizou a forma econômica obsoleta e se
multiplicou o horror que lhe é necessário para conservar-se, agora que
sua falta de sentido se revela abertamente”.[4]
O fascismo é o modo próprio como — perdido o sentido histórico,
desaparecido o “pressuposto econômico” — ainda assim as “formas
burguesas da existência” são conservadas, incluindo não apenas a
propriedade privada e a mercadoria, mas também o Estado e a “forma da
família há muito ultrapassada”.[5]
3.
Quase cem anos depois, o neofascismo
nasce num contexto de uma crise alastrada desde que o ciclo de
reconstrução e prosperidade do pós-guerra se esgotou. Embora haja uma
“epidemia de guerras” (Hobsbawn) nesse período de decomposição mundial,
nada na magnitude do grande conflito contra o fascismo pôde servir para a
eliminação dos excessos da superacumulação permanente, agora
aprofundada com a produção microeletrônica. O dilema é conhecido:
qualquer guerra de grande intensidade, manejando as forças destrutivas
disponíveis hoje, representaria o fim da humanidade.
Diferente também da década de 1930,
já não há um modelo socialista alternativo e, por isso, o autoritarismo
de hoje se apresenta para um desafio mais acanhado: é preciso optar pela
lenta desintegração da economia de mercado, convulsionada regularmente
pela quebra do capital fictício, ou agilizar o extermínio do excedente
social. Apresentar racionalmente esta última alternativa não é uma
tarefa fácil, deste modo o neofascismo fabrica inimigos por todos os
lados, até o espantalho do “comunismo internacional”, para justificar
uma aceleração dirigida do expurgo social. Se as teorias conspiratórias
há cem anos já eram absurdas mesmo com a ameaça real do socialismo, hoje
soam como mera loucura para uma parte da chamada “opinião pública”. Mas
essa rejeição não decorre de princípios elevados divergentes: o
neofascismo em ascensão tem o inconveniente de precipitar aquilo que já é
realizado pelos mecanismos antissociais do mercado, por isso precisa se
afirmar em conjunto e não contra a ideologia liberal. O neofascismo é
uma combinação, aparentemente inusitada, de dirigismo estatal repressivo
e desintegração dos mecanismos estatais de proteção como tentativa de
administrar a crise estrutural do capitalismo.
As duas cavidades presentes no
coração neoliberal estão também no peito do neofascismo. De um lado, uma
preocupação em continuar a forrar os mercados financeiros com o capital
fictício num volume que apenas o Estado é capaz de oferecer; de outro,
levar às ultimas consequências a dissolução de qualquer garantia social,
fazendo com que cada indivíduo seja responsável por sua própria
sobrevivência. A novidade em relação ao convencional programa homicida
dos fundamentalistas de mercado é uma declarada militarização do
cotidiano e o anúncio oficial de uma política racial de eliminação das
camadas improdutivas da sociedade – no fundo, tendências já em curso na
sociedade, mas agora transformadas abertamente num programa político.[6]
Não é suficiente que o indivíduo incapaz de sobreviver por sua própria
iniciativa seja socialmente deslocado pelo darwinismo objetivado do
mercado – a proposta é que também seja isolado do convívio social e
eliminado pelas forças estatais, sem rodeios.
Essa conciliação de dirigismo
estatal da sociedade e total obediência às coerções do mercado — uma
diferença marcante em relação às pretensões do fascismo clássico, que
buscava controlar politicamente a economia ou reverter a “subordinação
da vida à economia” —[7]
não deixa de produzir uma infinidade de incoerências. O neofascismo
alterna discursos de liberação das iniciativas com o controle moral;
apela à ética do trabalho, mas despreza qualquer compromisso com a
proteção social; patriotismo nas expressões políticas e sujeição aos
mercados internacionais; controle de fronteiras para contenção da
população obsoleta e o fim de qualquer restrição nacional à mobilização
monetária; perseguição violenta à corrupção, mas tolerância à devassidão
em suas fileiras; Estado forte capaz de oferecer a solução para todos
os problemas sociais, mas redução de carga tributária e da burocracia.
Essas contradições não são sintomas apenas de uma confusão programática
ou da carência de critérios políticos, mas da própria disfuncionalidade
do capitalismo avançado, que é cada vez mais consumido por uma doença
autoimune que torna o neofascismo um dos seus sintomas principais.
A vitória eleitoral desse programa
configuraria um patamar superior da devastação social, pois suas únicas
diretrizes claras são a seletividade racial no desmonte estatal e o
comando militar da sociedade.
4.
No fascismo clássico, o apelo à
coletividade da Nação ou à comunidade racial era um contraponto à
atomização provocada por uma progressiva mercantilização da vida social.
A regulação direta das inconveniências desenvolvidas pelo consumo
fordista representava, ao mesmo tempo, uma revolta tutelada e uma
adequação social a essa realidade – aqui novamente aparece a
continuidade entre o fascismo e a democracia, pois a indústria cultural
madura e o controle social no mercado de massas dispensavam a orientação
do Führer.
Hoje, a atomização eletrônica foi
elevada às raias do desejo da aniquilação do outro em meios virtuais – o
desenvolvimento da tecnologia de comunicação não criou meios de
conciliação das diferenças, mas alimentou a fria indiferença mútua.[8]
Nesse aspecto, as bases de uma mudança tecnológica estão reforçando as
pulsões autoritárias dos sujeitos atomizados, sem que um ambiente social
regulador esteja mais disponível para conter essa animosidade
sistemática. Portanto, há um apelo fora de época à Nação, quando já não
existe algo que corresponda objetivamente e esse conceito.
O nacionalismo econômico fascista
tinha seu fundamento na dissolução do liberalismo e no fortalecimento
das grandes estruturais industriais horizontalmente concentradas. Hoje, o
patriotismo é mera bravata diante da dispersão transfronteiriça das
cadeias de produção e da complexidade financeira conectada globalmente,
diante das quais o apelo à comunidade nacional serve apenas como fraude
político-ideológica desautorizada pela própria austeridade econômica que
o acompanha.
Isso dá atualidade à tese adotada
pelos frankfurtianos, mas restringida posteriormente nas análises do
fascismo: o núcleo do fascismo reside na associação de uma claque
violenta com elites corporativas que, unindo poder político e econômico,
espoliaram a sociedade depois da tomada do controle total do Estado.
O apelo nacional ou a ênfase racial
feita por lideranças autoritárias de hoje tem forte apoio entre camadas
populares e na “classe média” branca, principalmente na reprodução quase
litúrgica de uma ética do trabalho voltada raivosamente contra os
improdutivos da sociedade ou contra os privilégios de determinados
segmentos estatais. Por isso, no meio da explosão de incoerências
objetivas, não é possível “descartar uma certa afinidade entre a mente
de seu orador e a suposta confusão cerebral de seus ouvintes”.[9]
Entretanto, pelas vinculações políticas e econômicas de fundo, assim
como o fundamentalismo neoliberal que professam em seus programas, essas
lideranças se organizam em facções que buscam pilhar o Estado em crise e
socializar os custos da manutenção financeira das corporações
produtivas e dos investidores financeiros.
A proposta de liquidação de todo o
patrimônio estatal em um ano, por parte da equipe econômica de um
candidato neofascista, é exemplo evidente dessa política de saque. Isso
não depõe contra a identificação entre a massa de eleitos e o seu
“líder”, pois aqueles fariam do mesmo jeito a pilhagem da máquina
estatal em ruínas se tivessem oportunidade. Mas revela ainda uma
diferença em relação à era da massificação fordista, quando as bases
políticas se organizavam em partidos de massa e em brigadas
paramilitares. Militância virtual e manifestação em fins de semana para
fins eleitorais continuam sendo diferente de uma “mobilização
permanente” para o conflito.[10]
5.
O fascismo se caracterizou por uma
ideologia de “classe média” arruinada que se transformou em organização
de massa, arregimentando desempregados e excluídos na mesma “comunidade
racial”. Também por aqui, os difusos ressentimentos das camadas médias
insatisfeitas com seu declínio econômico foram dirigidos contra os
dependentes da assistência social e o “Estado corrupto”. Entretanto,
essa animosidade acabou por respingar sobre grandes corporações,
principalmente com a instrumentalização da raiva por parte do Ministério
Público e de setores do judiciário. O abandono completo da legalidade
jurídica — um processo já há muito experimentado nas esferas rebaixadas
do trato com a criminalidade, com a pobreza urbana e as dissidências
políticas no campo — agora é abraçado sistematicamente pela “classe
média” e pelas elites econômicas, diante do caráter disfuncional que
assumiram os conflitos políticos internos ao Estado. Uma parte
significativa da sociedade se inclina eleitoralmente para as soluções
autoritárias, abandonando o pausterizado político coach que professava um mero radicalismo civil de mercado.
A decadência econômica das camadas
sociais médias se aprofunda. O objetivo desses setores nunca foi
dissolver a estrutura econômica estabelecida, mas simplesmente
participar da prosperidade das grandes corporações, que eram invejadas
pelos vínculos político-financeiros com a estrutura estatal. Por isso, a
combinação programática de austeridade econômica com salvação das
grandes corporações só pode resultar numa liquidação das massas
precariamente atendidas pelo amparo estatal. Do ódio difuso de ontem
resta apenas o alvo social e racialmente delimitado de hoje – os
“refugos do mercado” (Wacquant).
Contra esse ódio racial e uma
política moralmente orientada, o movimento antifascista atual apela para
uma moralidade diversa como principal critério para o trato das
questões políticas e sociais. Segundo a formulação em moda, “a nossa
diferença é moral”. Aqui se vê que não vivemos uma mera reconfiguração
ideológica, mas uma mudança de época que engolfa a todos, já que uma
característica do processo de democratização era tentar manter separadas
as questões de direito em relação às questões de moralidade (algo
sempre difícil numa economia periférica, mas assumida formalmente pela
“Constituição Cidadã”). Contrapor o racismo e o sexismo neofascista com
critérios morais mais elevados é embarcar na implosão da esfera pública
baseado nos compromissos sociais do pós-guerra que ainda mantinham o
mundo democrático de pé.
Diferente de um momento em que o
racismo era escamoteado por uma atuação dissimulada contra o “crime”,
agora são declarados abertamente argumentos morais raciais excludentes.
No caso das formulações neofascistas contra as mulheres, fica
demonstrado que a crise desta sociedade também se manifesta como
“asselvajamento do patriarcado produtor de mercadorias” (Roswitha
Scholz). Temos aqui um ponto de semelhança com a irrupção nazifascista,
pois “a separação entre lei e moral, um axioma do período do capitalismo
competitivo, foi substituída por uma convicção moral imediatamente
derivada da ‘consciência do povo’”,[11]
isto é, determinada por critérios raciais. Frente a essa brutalidade,
fazer uso de um argumento moral é gritar contra a frieza das pedras. A
moralidade igualitária tem tanta validade, numa sociedade em ruínas,
quanto a moralidade autoritária e isso ficou claro quando a Suprema
Corte rejeitou a denúncia de racismo contra o líder das pesquisas
eleitorais. Retirado o caráter ilegal de um juízo determinado por moral
racial, esta passa a ter tanto peso, numa situação de exceção, quanto as
demais – e entre duas morais divergentes vence a que tem mais força,
não a mais civilizada.
6.
O perigo de desmoronamento social rumo a
um Estado oficialmente perseguidor não surgiu na corrida eleitoral, pois
está sendo historicamente alimentado pelo punitivismo orientado por
critérios sociais e raciais. Aqui, como na Alemanha dos anos 1930, por
várias vezes foi anunciado um “estado de guerra contra o mundo do
crime”, o que tem reforçado, com ajuda das vias institucionais, a
mensagem neofascista de retaliação contra “vagabundos” e “bandidos”.[12]
Pressionada por uma violência crescente que põe em risco seu
patrimônio, de um lado, e pela desintegração do mercado de trabalho, de
outro, há um apoio progressivo àqueles que propõem abertamente o ódio
social com conotação racista, pois a “classe média deve entender que a
redução das garantias legais é uma consequência necessária à sustentação
de sua posição social”.[13]
O impasse que vivemos é que essa
pulsão autoritária tornou-se um elemento intrínseco ao capitalismo em
crise. Por isso, uma derrota eleitoral é apenas atenuação das forças
autodestrutivas. As demais opções eleitorais “viáveis” continuam
apresentando mais nitidamente a face industrial-militar da administração
estatista da crise capitalista ou as propostas neoliberais
convencionais. Trata-se de um adiamento da “solução” autoritária através
de políticas que alimentam por via indireta o neofascismo, essa versão
anabolizada da desintegração social em curso. Tomá-lo como uma
excentricidade é ignorar que nele se manifestam, amalgamado de modo
tenso, o estatismo militarizado e o monetarismo professados isoladamente
pelas demais forças políticas.
A única possibilidade crítica em
toda essa situação — a compreensão de que apenas uma crítica radical do
insustentável mundo da mercadoria, do capital e do Estado pode ir além
dessa aporia – é travada em nome dos compromissos políticos de ocasião e
da escolha provisória do “menos mal”. É preciso evitar que a força
despendida na busca por esse fôlego temporário consuma toda a capacidade
de rejeição radical desta sociedade.
[1] Alfred Sohn-Rethel. A Economia Dual da Transição. In: Processo de trabalho e estratégias de classe. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 67.
[2] Alfred Sohn-Rethel. The Economy and Class Structure of German Fascism. London: Free Association Books, 1987, p. 89.
[3] No prefácio à edição alemã da Teoria Geral,
publicada em 1936, já durante a ascensão nazista, Keynes aponta que a
ideia central de seu livro, embora produzida em ambiente anglo-saxão,
“seria muito mais facilmente adaptada às condições de um Estado
totalitário” (John Maynard Keynes. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Nova Cultura, 1996, p. 6).
[4] Theodor Adorno. Minima Moralia: reflexões sobre a vida danificada. São Paulo: Ática, 1993,p. 27.
[5] Adorno. Minima Moralia, p. 27.
[6]
O atual presidente da Câmara dos EUA, Paul Ryan, republicano e uma das
bases de apoio de Donald Trump, frequentemente investe contra os
improdutivos da América, particularmente os idosos, enquanto corta
impostos das elites. Em 2012, o candidato à presidência Mitt Romney
declarou que 47 % dos americanos não pagavam impostos mas achavam ter
direito à saúde, alimentação, moradia. Tornou-se comum o uso da
expressão useless eaters (comedores inúteis) para os “dependentes do governo”, derivada de unnütze esser, formulação nazista para inválidos e judeus.
[7]
Segundo um presidente do comitê econômico do Partido
Nacional-Socialista da Alemanha, Bernhard Köhler, “desde seu princípio, o
nacional-socialismo foi uma rebelião dos sentimentos vivos do povo
contra o fato de que a vida era regida pela economia, pela existência
material” (citado por Franz Neumann. Behemot – pensamento y acción em el nacional-socialismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1983, p. 264-265).
[8] “A comunicação cuida da assimilação dos homens isolando-os”. Theodor Adorno e Max Horkheimer. A dialética do esclarecimento (fragmentos filosóficos). Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 2017.
[9] Theodor Adorno. La técnica picológica de las alcocuciones radiofónicas de Martin Luther Thomas. In: Escritos Sociológicos II, vol. 1. Madrid: Akal, 2008, p. 39.
[10]
A integração de milicianos nas organizações políticas neofascistas é um
fato, mas ela parece indicar uma tendência diversa do fascismo clássico
de se estabelecer como uma organização partidária massiva. Essa forma
de organização mafiosa paramilitar é por natureza voltada à espoliação
das zonas urbanas decadentes, não de sua mobilização política direta. O
envolvimento das forças militares nessa campanha também revela uma
diferença com a origem do fascismo, que antes se organizou
paramilitarmente para depois se estabilizar no seio do Estado.
Evidentemente, todo esse programa tende a ser um fracasso ao alcançar o
governo, por suas próprias contradições. O Estado neoliberal amplia o
aparato repressivo-militar no mesmo passo em que precariza suas forças: o
uso abundante de policiais e militares sub-remunerados, em contraste
com a alta tecnologia de segurança disponível, é parte da lógica de
eliminação de excedentes sociais. Talvez seja mais plausível o
acirramento da guerra civil difusa em curso do que a distopia do
controle social total.
[11] Kirchheimer, Otto; Rusche, Georg. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999, p. 244.
[12]
Nos EUA, a “guerra às drogas” surgiu como resposta ao movimento dos
direitos civis e às conquistas do movimento negro da década de 1960. Foi
abraçada imediatamente pela classe média porque a crise econômica e o
desemprego em massa a lançou na concorrência pelos empregos mal
remunerados antes destinados aos negros (Alexander, Michelle. A nova segregação: racismo e encarceramento em massa. São Paulo: Boitempo, 2018.Alexander , p. 91).
[13] Kirchheimer e Rusche, Punição e estrutura social, p. 247.
* Maurilio Lima Botelho é professor de Geografia Urbana da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).