sexta-feira, 20 de março de 2020

O agronegócio arrisca milhões de mortes

Entrevista a Rob Wallace (11.03.2020)


Quão perigoso é o novo coronavírus?
Depende do ponto onde você está no desenvolvimento do seu surto local de Covid-19: cedo, nível de pico, tarde? Até que ponto é boa a resposta da sua região em termos de saúde pública? Quais são os seus dados demográficos? Qual é a sua idade? Você está imunologicamente comprometido? Qual é a sua saúde à partida? Para perguntar uma possibilidade não diagnosticável, a sua imunogenética, a genética subjacente à sua resposta imunológica, alinha-se ou não com o vírus?

Então todo este alarido sobre o vírus não passa de tácticas de susto?
Não, certamente que não. A nível da população, o Covid-19 estava a registar entre 2 e 4% de casos fatais no início do surto em Wuhan. Fora de Wuhan, o ratio parece cair para mais ou menos 1% e ainda menos, mas também parece aumentar em pontos aqui e ali, inclusive em lugares na Itália e nos Estados Unidos. O seu alcance não parece muito em comparação com, digamos, a SARS a 10%, a pneumónica de 1918 a 5-20%, a "gripe das aves" H5N1 a 60%, ou em alguns pontos o Ebola a 90%. Mas certamente excede os 0,1% da gripe sazonal. O perigo não é apenas uma questão de taxa de mortalidade, porém. Temos de lidar com o que é chamado de taxa de penetração ou de ataque à comunidade: que parte da população global é penetrada pelo surto.

Podes ser mais específico?
A rede global de viagens está com uma conectividade recorde. Sem vacinas ou antivirais específicos para os coronavírus, nem neste momento qualquer imunidade de grupo ao vírus, mesmo uma estirpe com apenas 1% de mortalidade pode representar um perigo considerável. Com um período de incubação de até duas semanas e provas crescentes de alguma transmissão antes da doença – antes de sabermos que as pessoas estão infectadas – poucos lugares estariam provavelmente livres de infecção. Se, digamos, o Covid-19 registar 1% de fatalidade no curso da infecção de quatro mil milhões de pessoas, isso significa 40 milhões de mortos. Uma pequena proporção de um grande número ainda pode ser um grande número.
Estes são números assustadores para um agente patogénico ostensivamente menos que virulento...
Definitivamente, e estamos apenas no início do surto. É importante entender que muitas novas infecções mudam com o curso das epidemias. Infectividade, virulência, ou ambas podem atenuar. Por outro lado, outros surtos aumentam de virulência. A primeira onda da pandemia de pneumónica na primavera de 1918 foi uma infecção relativamente leve. A segunda e terceira onda, no inverno e em 1919, é que mataram milhões.

Mas os cépticos da pandemia argumentam que muito menos pacientes foram infectados e mortos pelo coronavírus do que pela gripe sazonal típica. O que você pensa sobre isso?
Eu seria o primeiro a festejar se este surto se revelasse um fracasso. Mas esses esforços para descartar o Covid-19 como um possível perigo, citando outras doenças mortais, especialmente a gripe, é um dispositivo de retórica para fazer com que a preocupação com o coronavírus seja tão mal colocada.
Então, a comparação com a gripe sazonal é coxa ...
Faz pouco sentido comparar dois agentes patogénicos em diferentes partes das suas epicurvas. Sim, a gripe sazonal infecta muitos milhões em todo o mundo, matando, segundo estimativas da OMS, até 650.000 pessoas por ano. O Covid-19, no entanto, está apenas a começar a sua jornada epidemiológica. E, ao contrário da gripe, não temos nem vacina, nem imunidade de grupo para retardar a infecção e proteger as populações mais vulneráveis.
Mesmo que a comparação seja enganadora, ambas as doenças se devem a vírus, mesmo a um grupo específico, os vírus RNA. Ambas podem causar doenças. Ambas afectam a área da boca e garganta e, por vezes, também os pulmões. Ambas são bastante contagiosas.
Essas são semelhanças superficiais que falham uma parte crítica na comparação dos dois agente patogénicos. Nós sabemos muito sobre a dinâmica da gripe. Sabemos muito pouco sobre o Covid-19. Está cheio de incógnitas. Na verdade, há muito sobre o Covid-19 que é mesmo desconhecido até que o surto se desenrole completamente. Ao mesmo tempo, é importante entender que não é uma questão de Covid-19 contra a gripe. É o Covid-19 e a gripe. O surgimento de múltiplas infecções capazes de se tornarem pandémicas, atacando populações em grupos, deve ser a preocupação central e frontal.

Você tem pesquisado epidemias e suas causas há vários anos. Em seu livro "Big Farms Make Big Flu" você tenta estabelecer essas conexões entre práticas de agricultura industrial, agricultura orgânica e epidemiologia viral. Quais são as suas percepções?
O perigo real de cada novo surto é o fracasso – ou, melhor dizendo – a recusa expedita de compreender que cada novo Covid-19 não é um incidente isolado. O aumento da ocorrência de vírus está intimamente ligado à produção de alimentos e à rentabilidade das grandes empresas multinacionais. Qualquer pessoa que pretenda entender por que os vírus estão se tornando mais perigosos deve investigar o modelo industrial da agricultura e, mais especificamente, a produção animal. Actualmente, poucos governos, e poucos cientistas, estão preparados para fazê-lo. Muito pelo contrário.
Quando os novos surtos aparecem, os governos, os media e mesmo a maioria do establishment médico estão tão concentrados em cada emergência isolada que descartam as causas estruturais que estão levando múltiplos agentes patogénicos marginalizados a uma celebridade global repentina, um após o outro.





De quem é a culpa?
Eu disse agricultura industrial, mas há um âmbito maior. O capital está a encabeçar o assalto à terra na última floresta primária e nas terras agrícolas de pequenos agricultores em todo o mundo. Essas investidas impulsionam o desmatamento e o desenvolvimento, levando ao surgimento de doenças. A diversidade funcional e a complexidade que essas enormes extensões de terra representam estão a ser racionalizadas de tal forma que agentes patogénicos anteriormente compartimentados estão a espalhar-se pela pecuária local e pelas comunidades humanas. Em suma, os centros do capital, lugares como Londres, Nova Iorque e Hong Kong, devem ser considerados os nossos principais focos de doença.

Para que doenças é este o caso?
Não há agentes patogénicos livres do capital neste momento. Mesmo os mais remotos são afectados, se bem que de forma distante. O Ébola, o Zika, os coronavírus, a febre amarela, uma variedade de gripes das aves e a peste suína africana estão entre os muitos agentes patogénicos que saem dos hinterlands mais remotos para os circuitos peri-urbanos, as capitais regionais e, por fim, para a rede global de viagens. Desde morcegos frugívoros no Congo até à matança de banhistas em Miami, dentro de algumas semanas.

Qual é o papel das empresas multinacionais neste processo?
O Planeta Terra é em grande parte a Fazenda Planeta neste ponto, tanto na biomassa como na terra utilizada. O agronegócio tem como objetivo monopolizar o mercado de alimentos. A quase totalidade do projeto neoliberal está organizada em torno do apoio aos esforços das empresas sediadas nos países industrializados mais avançados para roubar a terra e os recursos dos países mais fracos. Como resultado, muitos desses novos agentes patogénicos, anteriormente controlados por ecologias florestais há muito evoluídas, estão a ser libertados, ameaçando o mundo inteiro.
Que efeitos têm os métodos de produção do agronegócio sobre isto?
A agricultura liderada pelo capital, que substitui ecologias mais naturais, oferece o meio exacto pelo qual os agentes patogénicos podem evoluir para os fenótipos mais virulentos e infecciosos. Não se poderia conceber um sistema melhor para criar doenças mortais.

Como assim?
O cultivo de monoculturas genéticas de animais domésticos remove quaisquer barreiras imunitárias que possam estar disponíveis para retardar a transmissão. As maiores dimensões e densidades da população facilitam maiores taxas de transmissão. Tais condições de aglomeração deprimem a resposta imunológica. O alto rendimento, parte de qualquer produção industrial, proporciona um fornecimento continuamente renovado de susceptibilidades, o combustível para a evolução da virulência. Por outras palavras, o agronegócio está tão concentrado nos lucros que a opção perante um vírus que pode matar mil milhões de pessoas é tratada como um risco que vale a pena correr.

O quê!?
Estas empresas podem simplesmente externalizar os custos das suas operações epidemiologicamente perigosas sobre todos os outros. Desde os próprios animais aos consumidores, trabalhadores agrícolas, ambientes locais e governos em todas as jurisdições. Os danos são tão extensos que se devolvêssemos esses custos aos balanços das empresas, o agronegócio, como o conhecemos, acabaria para sempre. Nenhuma empresa poderia suportar os custos dos danos que ela impõe.

Em muitos meios de comunicação, afirma-se que o ponto de partida do coronavírus foi um "mercado de alimentos exóticos" em Wuhan. Esta descrição é verdadeira?
Sim e não. Há pistas espaciais a favor dessa ideia. O rastreamento de contactos vinculou infecções ao mercado grossista de “Sea Food” de Hunan em Wuhan, onde animais selvagens foram vendidos. A amostragem ambiental parece indicar a extremidade oeste do mercado onde os animais selvagens eram mantidos.
Mas até que ponto devemos investigar no espaço e no tempo? Quando exactamente a emergência realmente começou? O foco no mercado ignora as origens na agricultura selvagem no interior e na sua crescente capitalização. Globalmente, e também na China, os alimentos selvagens estão se tornando mais formalizados como um sector económico. Mas a sua relação com a agricultura industrial vai além da mera partilha dos mesmos sacos de dinheiro. À medida que a produção industrial – ovo, aves e similares – se expande para a floresta primária, pressiona os operadores de alimentos silvestres a dragar mais na floresta para as populações de origem, aumentando a interface com novos agentes patogénicos, incluindo o Covid-19, e o alastramento dos mesmos.

O Covid-19 não é o primeiro vírus a desenvolver-se na China que o governo tentou encobrir.
Sim, mas isto não é nenhum excepcionalismo chinês. Os EUA e a Europa também serviram como grund zero para novas gripes, recentemente o H5N2 e o H5Nx, e suas multinacionais e procuradores neocoloniais impulsionaram o surgimento do Ébola na África Ocidental e do Zika no Brasil. Funcionários da saúde pública dos EUA encobriram o agronegócio durante os surtos de H1N1 (2009) e H5N2.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou agora uma "emergência sanitária de preocupação internacional". Este passo é correcto?
Sim. O perigo de tal agente patogénico é que as autoridades sanitárias não tenham um controlo sobre a distribuição estatística dos riscos. Não temos ideia de como o agente patogénico pode reagir. Passamos de um surto num mercado para infecções espalhadas pelo mundo em questão de semanas. O agente patogénico pode simplesmente extinguir-se. Isso seria óptimo. Mas nós não sabemos. Uma melhor preparação melhoraria as hipóteses de reduzir a velocidade de expansão do agente patogénico.

A declaração da OMS também faz parte do que eu chamo de teatro pandémico. Organizações internacionais morreram por inacção. A Liga das Nações vem à memória. O grupo de organizações da ONU está sempre preocupado com a sua relevância, poder e financiamento. Mas esse tipo de acção também pode convergir para a preparação e a prevenção que o mundo precisa, para romper as cadeias de transmissão do Covid-19.

A reestruturação neoliberal do sistema de saúde piorou tanto a pesquisa quanto o atendimento geral dos pacientes, por exemplo, nos hospitais. Que diferença poderia fazer um sistema de saúde mais bem financiado para combater o vírus?
Há a terrível mas reveladora história do empregado duma empresa de aparelhos médicos de Miami que, ao voltar da China com sintomas semelhantes aos da gripe, fez a coisa certa pela sua família e pela comunidade, e exigiu um teste no hospital local para o Covid-19. Ele temia que a sua opção mínima de Obamacare não cobrisse os testes. E estava certo. De repente ele estava com a corda na garganta por 3270 dólares. Uma reivindicação americana pode ser uma ordem de emergência que estipule que, durante um surto pandémico, todas as contas médicas pendentes relacionadas com testes de infecção e com o tratamento após um teste positivo seriam pagas pelo governo federal. Queremos encorajar as pessoas a procurarem ajuda, afinal, em vez de se esconderem – e infectarem outras – porque não podem pagar o tratamento. A solução óbvia é um serviço nacional de saúde – dotado de pessoal e equipamento para lidar com tais emergências em toda a comunidade – para que um problema tão ridículo como desencorajar a cooperação comunitária nunca surgisse.

Assim que o vírus é descoberto num país, os governos em toda a parte reagem com medidas autoritárias e punitivas, como a quarentena obrigatória de áreas inteiras do país e cidades. Será que medidas tão drásticas são justificadas?
Usar um surto para testar o mais recente controle autocrático pós-surto é o capitalismo de desastre a sair dos trilhos. Em termos de saúde pública, eu pecaria por excesso para o lado da confiança e da compaixão, que são importantes variáveis epidemiológicas. Sem nenhuma delas, as jurisdições perdem o apoio das populações. Um sentido de solidariedade e de respeito comum é uma parte crítica para obter a cooperação de que precisamos para sobreviver juntos a tais ameaças. Auto-quarentenas com o devido apoio de brigadas de bairro treinadas, camiões de abastecimento de alimentos indo de porta em porta, dispensa do trabalho e seguro de desemprego – podem suscitar esse tipo de cooperação, que estamos todos juntos nisto.
Como deve saber, na Alemanha com a AfD temos um partido nazi de facto com 94 lugares no parlamento. A dura direita nazi e outros grupos em associação com os políticos da AfD usam a crise do coronavírus para a sua agitação. Eles espalham (falsos) relatos sobre o vírus e exigem medidas mais autoritárias do governo: Restringir voos e paragens de entrada de migrantes, encerramento de fronteiras e quarentena forçada...
Proibições de viagens e fechamento de fronteiras são exigências com as quais a direita radical quer racializar o que são agora doenças globais. Isto é, é claro, um disparate. Neste ponto, dado que o vírus já está a caminho de se espalhar por todo o lado, o mais sensato é trabalhar para desenvolver o tipo de resiliência de saúde pública em que, seja quem for que apareça com uma infecção, nós temos os meios para tratá-los e curá-los. É claro que, se primeiro pararmos de roubar as terras das pessoas no estrangeiro e de provocar os êxodos, primeiro poderemos evitar que os agentes patogénicos surjam.

O que seriam mudanças sustentáveis?
A fim de reduzir o aparecimento de novos surtos de vírus, a produção de alimentos tem de mudar radicalmente. A autonomia dos agricultores e um forte sector público podem refrear as engrenagens ambientais e as infecções por fuga. Introduzir variedades de reserva e de cultivos – e regressos estratégicos ao selvagem – tanto a nível da fazenda como a nível regional. Permitir que os animais que servem de alimento se reproduzam no local, para transmitir as imunidades testadas. Conectar a produção just in time com a circulação just in time. Subsidiar apoios de preços e programas de compras ao consumidor que apoiem a produção agroecológica. Defender estas experiências tanto das compulsões que a economia neoliberal impõe aos indivíduos e comunidades como da ameaça da repressão do Estado liderado pelo capital.

O que devem exigir os socialistas perante a dinâmica crescente dos surtos de doenças?
O agronegócio como um modo de reprodução social deve ser definitivamente terminado, nem que seja apenas por uma questão de saúde pública. A produção altamente capitalizada de alimentos depende de práticas que põem em perigo toda a humanidade, neste caso ajudando a desencadear uma nova pandemia mortal. Devemos exigir que os sistemas alimentares sejam socializados de tal modo que os agentes patogénicos deste perigo sejam desde logo impedidos de surgir. Isso exigirá a reintegração da produção de alimentos para as necessidades das comunidades rurais em primeiro lugar. Isso exigirá práticas agroecológicas que protejam o meio ambiente e os agricultores enquanto eles cultivam os nossos alimentos. Em grande plano, devemos curar as fendas metabólicas que separam as nossas ecologias das nossas economias. Em resumo, temos um planeta para ganhar.
Muito obrigado pela entrevista.

(As perguntas foram feitas por Yaak Pabst).

Rob Wallace é biólogo e filogeógrafo evolutivo para a saúde pública nos EUA. Ele trabalha há vinte e cinco anos em vários aspectos das novas pandemias e é autor do livro "Big Farms Make Big Flu".

Original CORONAVIRUS: »AGRIBUSINESS WOULD RISK MILLIONS OF DEATHS.«, in: Marx21.de

Rob Wallace, sobre a situação em Itália e na Inglaterra
"Luca de Crescenzo está a traduzir a minha entrevista sobre o coronavírus para italiano. Ele me fez duas perguntas complementares que, juntamente com as minhas respostas, vou postar aqui em inglês.

O que notei apenas depois de carregar no botão enviar é que, duas semanas após a entrevista original, as minhas respostas aqui estão a tomar um tom mais agudo. Embora antes eu tenha abordado o surto com uma análise estrutural radical apropriada, agora, à medida que a pandemia se aproxima, estou começando a sentir a pitada de uma lacuna em tácticas radicais.
Você também deveria sentir. O que fazemos quando tanto os governos neoliberais como o capital se recusam a usar todos os recursos da sociedade para nos proteger durante um surto mortal? Os trabalhadores italianos podem dar o tom para uma resposta adequada?
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P. Gostaria que acrescentasse um comentário sobre a recente proposta das autoridades britânicas de não tomar medidas drásticas para conter o vírus e apostar antes no desenvolvimento da imunidade de grupo. Você escreveu: este é um fracasso que finge ser uma solução. Pode explicar isso?

R. Os Tories afirmam que juntar-se aos EUA na efectiva negação dos cuidados de saúde é a *melhor* cura activa. O governo está a tentar fazer passar a sua resposta tardia em deixar o Covid-19 trabalhar através da população para produzir a imunidade de grupo que diz que irá proteger os mais vulneráveis.
Isto é o oposto absoluto de "não fazer mal", como diz o juramento do médico. Isto é, vamos fazer o máximo de dano.

A imunidade do grupo é tratada nos círculos epidemiológicos como, na melhor das hipóteses, um benefício colateral sujo de um surto. Pessoas suficientes carregam anticorpos do último surto para manter a população susceptível suficientemente baixa, para que nenhuma nova infecção possa ocorrer, protegendo mesmo aqueles que não tenham sido expostos anteriormente. No entanto, muitas vezes não é mais do que um efeito passageiro, se o agente patogénico em questão evolui a partir de debaixo da cobertura da população.
Fazemos melhor em induzir tal imunidade através de campanhas de vacinação. Normalmente, tal efeito requer uma grande maioria de pessoas vacinadas para trabalhar. O que, fora das falhas do mercado na produção de vacinas, não é rotineiramente um problema, pois quase ninguém morre.

Dado o rastro de mortos de uma pandemia mortal, nenhum sistema de saúde pública procuraria ativamente um epifenómeno pós-hoc como um objetivo instrumental. Nenhum governo encarregado de proteger as próprias vidas de uma população permitiria que tal agente patogénico funcionasse sem obstáculos - seja o que for que se faça para "atrasar" a propagação, como se um governo já um passo atrás na resposta pudesse exercer tal controle mágico. Uma campanha de negligência activa mataria centenas de milhares de pessoas muito vulneráveis que os Conservadores afirmam querer proteger.
Mas destruir a aldeia para salvá-la é a premissa central de um Estado do mais virulento carácter de classe. É o sinal de um império exausto que, incapaz de seguir a China e outros países na luta, finge, como eu escrevi, que seus fracassos são exactamente a solução.

P. Na Itália, apesar da quarentena, e além dos poucos que estão trabalhando em casa, muitos trabalhadores ainda vão trabalhar todos os dias. Muitas lojas estão fechadas, mas a maioria das fábricas estão abertas, mesmo as que não produzem os bens necessários. Recentemente, os sindicatos e a federação dos empregadores italianos chegaram a um acordo sobre medidas de segurança e protecção no local de trabalho, que dá às empresas apenas "recomendações" sobre distância, limpeza, uso de máscaras, sem muita especificação. Há fortes razões para acreditar que não serão respeitadas. Qual é a sua opinião sobre isso? A força dos trabalhadores é uma variável epidemiológica?

A. Os trabalhadores são tratados como carne para canhão. Não só no campo de batalha, mas qundo voltam a casa. Aqui tem um vírus a rasgar a população italiana a um ritmo que excede o do ritmo que passou pela China, e o capital está a fingir que é um negócio como de costume - business as usual. Negociar uma detente que permita que este trabalho continue sem precauções ao nível do biolab é destrutivo tanto para a posição dos trabalhadores - você está sinalizando que vai comer qualquer tigela de merda que eles servem - como para a própria saúde da nação.

Se não pela própria legitimidade dos vossos sindicatos, então pelas vossas próprias vidas, e pelas dos vossos colegas de trabalho e membros da comunidade mais vulneráveis - fechem essas fábricas! O pico de casos na Itália é tão vertiginoso que a auto-quarantena e as condições de trabalho negociadas não serão suficientes para acabar com o surto. O Covid-19 é demasiado infeccioso e, sob um bloqueio dos serviços médicos, demasiado mortal para meias-medidas. A Itália está a ser invadida por um vírus que está a dar cabo do país, com lutas de rua de porta em porta e de casa em casa.

O que eu quero dizer é que a Itália precisa de se livrar disso já!
Sim, os trabalhadores sustentam rotineiramente o céu durante dias sombrios e perigosos, inclusive durante um surto mortal. Mas se o trabalho não é uma questão de operações diárias necessárias durante a quarentena comunitária, parem-no. Como em todos os países do mundo inteiro, o governo deve então ser responsabilizado pela cobertura dos salários dos trabalhadores que deixaram o trabalho ao serviço da saúde pública do país.

Não é minha decisão, e meu próprio país está totalmente engarrafando a sua resposta à pandemia, mas caso o capital resista a tais esforços para proteger a vida de milhões de pessoas, os trabalhadores italianos, como os trabalhadores de outros lugares, devem considerar a possibilidade de entrar em sua orgulhosa história de militância trabalhista e encontrar um meio de lutar contra o comando operacional dos gananciosos e incompetentes. Se as fábricas que produzem bens não essenciais ainda estão em funcionamento, isso significa que a gerência e os sacos de dinheiro por trás dela não querem saber de você. Mesmo agora o director financeiro lá em cima está se provando mais do que feliz em imputar os trabalhadores mortos aos custos de produção se ele conseguir escapar.

Não seria a primeira vez que as pessoas da região recuam durante um surto. O historiador Sheldon Watts notou uma inversão inesperada no desastre inicial do capitalismo:

"Na sua pressa de se salvarem [da peste] por fuga, os magistrados florentinos temiam que as pessoas comuns deixadas para trás tomassem o controle da cidade; o medo talvez fosse justificado. No verão de 1378, quando as disputas entre facções imobilizaram temporariamente a elite florentina, os trabalhadores da lã rebeldes conquistaram o controle do governo e permaneceram no poder por vários meses".

Vários meses hoje podem salvar muitos milhares de vidas. Com muitos países a dez dias de se encontrarem na situação difícil da Itália, os trabalhadores italianos podem oferecer um exemplo para o resto do mundo de que a vida cotidiana das pessoas é mais importante do que o lucro de seja quem for."

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